segunda-feira, 12 de junho de 2017

Desabafo sobre depressão e ansiedade: precisamos falar sobre essas coisas



Pouca gente sabe, mas o ano de 2016 foi bem difícil para mim, e não apenas pelas tragédias coletivas. Na verdade, meu problema não é algo de agora. Durante toda a minha vida tive que lidar com a depressão e a ansiedade. Durante muito tempo eu me odiei por causa disso. Não gosto muito de expor meus problemas pessoais para muita gente, mas levando em consideração que foi um texto assim que me ajudou no ano passado, resolvi falar sobre este assunto na esperança de poder também ajudar outras pessoas, nem que seja no sentido de explicar melhor a depressão e ansiedade, não por uma ótica profissional, clínica ou de senso comum, mas na perspectiva de quem vive esses problemas.


Vamos lá

Primeiramente, quero falar do meu processo de aceitação. Eu sempre tive vergonha de dizer que tinha essas doenças (sim, depressão e ansiedade são doenças) por acreditar no falso consenso de que você só é depressivo porque você quer, pois se você disser pra si mesmo que não tem problema nenhum, o problema simplesmente deixa de existir. Mas não é bem assim que as coisas são. No ano passado eu li muito sobre esse assunto e tive acesso a relatos de pessoas que passavam pelas mesmas coisas que eu. Sempre soube que não era a única pessoa no mundo a sofrer com depressão, mas ao ver como os sintomas e os problemas que as outras pessoas enfrentavam eram parecidos com os meus, pude perceber que meu caso não era tão único. Ao ver depoimentos de pessoas que aprenderam a lidar com isso tive a esperança de que o mesmo pudesse acontecer comigo. Talvez se eu buscasse mais informações sobre o problema e partilhasse de mais experiências de outras pessoas, eu aprendesse e compreendesse melhor o que acontecia comigo. Não estou aqui para dar uma fórmula mágica de como superar a depressão, isso não existe. Mas para mim, aceitar que eu tinha um problema foi um passo muito importante. Compreender esse problema foi mais importante ainda.

O que mais me ajudou foi ver que várias pessoas que lidam com isso experimentam os fracassos, passam por inúmeras tentativas frustradas, desistiram por um tempo, todas essas coisas são comuns. O desafio é tentar ser persistente na busca por alternativas, mesmo quando sua mente e o seu corpo dizem não. Já tentei um monte de coisas que deram certo por um tempo, mas que depois se tornaram inúteis, e tudo bem, muita gente passa por isso. Já passei longos períodos sem nenhum sintoma da doença por perto e, de repente, ela volta do nada ou quando estou passando por alguma situação delicada. E tudo bem. São fases. Faz parte. Não sei quantas outras pessoas em todo o mundo estão passando por essas mesmas coisas. Às vezes nos sentimos mais dispostos e vamos procurar algum tipo de ajuda, outras vezes acreditamos que nada poderá nos ajudar. Mas a coisa mais importante que é preciso saber nesses momentos é que eu não sou a única, que o problema não sou eu, que isso não é coisa só minha, nem é algo que eu possa controlar. 

Em segundo lugar, é importante falar sobre o tratamento com o auxílio de medicamentos. Há um preconceito muito grande em torno dessa questão. Eu mesma me vi várias vezes reproduzindo o discurso de que não queria ficar dependente de remédios. Se você tem uma doença e se nega a tomar algum medicamento que possa ajudar no tratamento é mais difícil conseguir algum progresso. A depressão e a ansiedade, diferente do que ouvimos muitas vezes, não são frescuras, não são falta do que fazer, não são falta de uma louça pra lavar ou de um terreno pra capinar. São doenças, e doenças sérias. Não devemos menosprezar a gravidade desses problemas. Ninguém condenaria a atitude de uma pessoa que sofra de uma doença crônica como a diabetes e tome remédios todos os dias para controlá-la, ninguém vai chegar pra essa pessoa e dizer que ela é viciada. Então, tomar remédios não é sinônimo de fraqueza.


Tratamento com ajuda de medicamentos

Outra coisa a entender é que os remédios funcionam de maneira diferente para cada pessoa. Mesmo que meu problema seja muito similar ao seu, o remédio que funciona pra mim não necessariamente servirá pra você. Por isso é importante não desistir na primeira tentativa fracassada. Infelizmente, é preciso experimentar diferentes drogas até encontrar uma que funcione, que tenha menos efeitos colaterais, essas coisas. 

O período do tratamento também varia. E se esse período precisar ser mais longo para algumas pessoas é normal, pois cada organismo reage de um jeito. Eu, por exemplo, costumo tomar remédios por um determinado período de tempo até me sentir melhor e ir gradativamente suspendendo o uso. Aí alguns tempos depois os sintomas voltam e preciso retomar o tratamento. Para outras pessoas, pode ser necessário o uso ininterrupto. É sempre bom ter um acompanhamento médico para essas coisas. Eu só entendo da minha própria experiência, e pra mim, o mais importante quanto a isso é não me sentir culpada por precisar tomar esses remédios e tentar ver esse tipo de tratamento como qualquer outro.


A relação com as outras pessoas

Dito isto, gostaria de falar sobre o que mais dificultou minha forma de lidar com essas questões durante toda a minha vida: as outras pessoas. Estou escrevendo esse texto pensando em poder compartilhar minha experiência com pessoas que passam pelo mesmo que eu, mas também como uma forma de alcançar as outras pessoas. Muita gente acha que sabe tudo sobre depressão, que é uma questão de força de vontade e que só depende de você virar o jogo. Como se não bastasse todos os problemas que a depressão coloca na sua vida, você ainda tem que lidar todos os dias com pessoas que ficam te dizendo o que fazer, que acham que estão te ajudando, mas na verdade só pioram tudo. São incontáveis críticas, incontáveis conselhos infalíveis e incontáveis certezas sobre coisas que essas pessoas não têm nenhuma noção do que são. 

É muito difícil ter que ouvir que sua doença é invenção, que se você passa o dia inteiro na cama e não tem ânimo nem para se alimentar é por preguiça, é porque você escolheu ser assim. É muito difícil ter que ouvir alguém dizendo “saia dessa cama, vá viver, vá fazer uma caminhada”, como se fosse só uma questão de levantar e agir. Nunca passa pela cabeça dessas pessoas como pode ser difícil em alguns momentos a simples tarefa de acordar, sair da cama e tomar um banho ou fazer alguma refeição. É difícil ter que ouvir a todo instante que “você não está se ajudando”, “você não tem determinação”, “se você disser pra si mesmo que não quer se sentir assim, você não vai se sentir assim”. É difícil ouvir as pessoas dizerem que quem demonstra tendências suicidas só está querendo chamar a atenção, como se isso fosse um capricho. É lógico que a pessoa quer chamar a atenção, quer saber que é importante para alguém, saber quem se preocupa com ela. Não se deve menosprezar esse tipo de coisa. Infelizmente, vi pessoas que imploravam por atenção finalmente desistirem e cometerem suicídio. 

Compreendo que a maioria das pessoas que fazem essas coisas não fazem por mal. Mas se você quer mesmo ajudar alguém, deixe as generalizações de lado e procure se informar mais sobre o assunto. Encher a pessoa de conselhos vazios que jogam nela toda a culpa pelo problema não é um modo de ajudar. Pelo contrário, isso só piora as coisas, só faz com que a pessoa depressiva se sinta ainda mais incapaz e incompetente. Ninguém chegaria para uma pessoa com câncer e diria: “se você quiser, você fica bom. Vá andar, saia de casa, pratique um exercício, pense positivo e quando você menos esperar o problema terá desaparecido” ou “se você disser pra si mesmo que você não tem câncer, se você quiser mesmo, você não terá mais câncer”. Quando transferimos o discurso para o modo de lidar com o câncer percebemos o quanto ele é absurdo. A depressão e a ansiedade são doenças como qualquer outra e não vão desaparecer só com a força do pensamento. Então, se você quer mesmo ajudar, pare de julgar, pare de achar que é uma questão de força de vontade. 

“Ah, mas eu já tive depressão e foi assim que eu me curei”. Não, você não teve depressão. É importante diferenciar depressão de momentos delicados, de traumas e outras situações. Se você nunca foi depressivo e então passa por um grande trauma, a perda de ente querido, por exemplo, e passa algum tempo na bad, mas depois vai retomando sua vida e as coisas vão voltando ao normal, você não pode dizer que teve e se curou de uma depressão. Você passou por um trauma e superou ele. Isso é totalmente diferente. A depressão não precisa de motivos para aparecer. A ansiedade também não. 


Ansiedade 

Sobre a ansiedade especificamente, é importante não confundir sofrer de ansiedade com estar ansioso. Não conto as vezes que falei pra alguém que tinha ansiedade e a pessoa perguntou o porquê de eu estar ansiosa. Essa ansiedade é diferente daquela ansiedade de quando você tem algo importante para fazer, como quando está prestes a ir a um show de uma banda de que você gosta muito e fica pensando naquele assunto específico. A ansiedade que eu sinto me tira o sono, me deixa sem ar com medo de morrer a qualquer instante, ou de perder alguém que amo, me dá coceiras e tremores nas pernas, me deixa inquieta sem eu saber o motivo, me dá palpitações e aceleração no coração, não permite que eu me concentre em tarefas simples, como ler um livro, por exemplo, me faz ter medo do escuro, de dormir sozinha, pensar que vou morrer por qualquer sintoma de qualquer doença besta, sentir qualquer problema e ir direto no google pesquisar sobre um milhão de doenças e acreditar que tenho a mais grave de todas, ter uma preocupação excessiva em relação a tudo, ter comportamentos compulsivos, achar que nunca faço nada certo ou que sempre está faltando alguma coisa, ficar revivendo situações tristes ou embaraçosas. 


Como ajudar?

Então, em vez de ficar criticando as pessoas que sofrem com esses problemas ou sufocando-as com um milhão de soluções prontas, se quiser realmente ajudar, mostre que você se importa com ela, tente escutar quando ela estiver disposta a se abrir e também saiba respeitar seu silêncio. Tente entender os problemas que ela enfrenta e não desista dela se ela fracassar. O abandono é muito comum na vida de quem tem ansiedade e depressão.

Já testemunhei muitas vezes (e já passei por isso também) casos em que as pessoas que tentavam ajudar alguém com depressão desistem e vão embora. É o velho “você é complicado demais”, “você é uma pessoa destrutiva”, “você tem muita energia negativa”. Perder pessoas é sempre difícil, ainda mais quando elas simplesmente desistem de você. Entendo que não é fácil conviver com alguém tão instável, mas é sempre bom tentar compreender que a pessoa precisa de você e que não é culpa dela estar sempre se auto sabotando, ou sendo pessimista. A depressão é um desafio pra quem sofre com ela e pra quem convive com essas pessoas. 

Sei que devo ter esquecido de falar sobre um monte de coisas e que não vai ser esse texto que vai mudar a vida de alguém de uma hora pra outra, mas estou feliz por poder compartilhar essas coisas.  E digo sinceramente que compreender o que eu sinto foi a coisa que mais me ajudou em todos esses anos.