quinta-feira, 21 de julho de 2011

Macumbeira, Mãe de Santo, ou Psicóloga?



Eu devo ter algum dom muito especial que ainda não descobri. E não digo isso pra amenizar minha falta de talento para as coisas com as quais me envolvo. Sei que sou lesada, desastrada e muito, muito tapada (eleve isso ao cubo quando for se referir a questões amorosas). Mas enfim, não é essa propriamente a questão, se fosse fazer um texto só pra dizer que sou tapada não traria nenhuma novidade a ninguém. Inclusive já sofri muito com isso e também com o fato de achar que não tenho vocação para nada. Adoro fazer um monte de coisas, mas sou sempre um fracasso. Minha mãe queria que eu fosse professora, meu pai queria que eu fosse advogava, virei jornalista, escrevo poesia, moro com um gato e tenho um violão. Tudo a ver né?
E daí que nessas minhas andanças pelo mundo (lê-se nas ruas de Mossoró) acabo encontrando muita gente, e pode parecer difícil de acreditar, mas são pessoas mais estranhas do que eu. E essas pessoas estranhas pertencentes a um determinado perfil acabam sempre me abordando da mesma forma: Quando estou sozinha e com cara de ‘hoje eu não quero falar com ninguém’.
Um exemplo: estava eu uma vez com o humor de pit bull que viu um gato e uma expressão de porta, com fones de ouvido e óculos escuros numa parada de ônibus, que por sinal estava atrasado mais de 40 minutos, e detalhe: eu estava com muita pressa. O que eu menos queria era ter que abrir minha boca para falar. Mas, eis que me aparece um senhorzinho com cara de quem acaba de ser libertado da Mário Negócio*, põe a mão no meu ombro e pergunta: “você viu se o ônibus que vai pro Vingt Rosado** já passou?”. Sem tirar meus fones ou mudar a expressão do rosto respondo apenas: “Não”. Me viro e fico lá com a mesma expressão, de repente o senhorzinho vem de novo: “você sabe algum outro ônibus que passa por lá?”. Eu: “Não senhor, pergunte ali para o funcionário da empresa”. Achando que enfim teria me livrado dele o homem parece ter esquecido do ônibus e sua única meta agora era me tirar do sério. Veio outra vez onde eu estava e começou: “minha filha mora lá, ela já está com dois filhos, um marido que não presta, levando uma vida miserável coitada. Mas bem feito pra ela, quis levar a vida da mãe, que era puta, tá aí, no mundo...” Ele falava sem parar e mesmo sem eu dar a mínima para o que ele estava contando o cara não parava. Eu estava dando voltas dentro de mim de tanta raiva, mas decidi ficar na minha, tive que tirar meus fones pra não parecer mal educada, e fiquei ali rezando ainda mais para que a droga do ônibus chegasse logo. Me distraí um pouco e quando fui ver lá estava ele ainda falando sem parar, agora falava sobre um amigo que era alcóolatra e eu não sei como a conversa chegou a esse ponto, mas nada parecia ser capaz de calar a boca dele. De repente o ônibus que eu tanto esperava apareceu, quase morri de alegria, mas como alegria de pobre dura pouco, o cara que parecia que o único rumo que queria tomar era o meu, entrou no mesmo ônibus, sentou do meu lado e me azucrinou a viagem toda, confesso que desci duas paradas antes da que eu ia descer para não ter que suportar mais aquilo.
Outra vez foi uma senhora que me abordou num supermercado e do nada começou a falar do filho dela que tinha falecido. Eu estava com a mesma cara introspectiva de sempre, mas tentei ser simpática dessa vez. PRA QUE? A  mulher grudou em mim e me perseguiu por cada sessão do supermercado, “ai porque meu filho isso, meu filho aquilo, ele era tão moço” e por aí vai. Depois ela veio me dizer que o filho dela tinha 60 anos quando morreu, há mais de 3 anos.
Fatos assim não são difíceis de acontecer comigo. Nem de ressaca eu escapo. Estava saindo de uma festa morta de cansada e com meus sentidos um pouco afetados pelo excesso de líquido não vendido em lanchonete de escola que havia ingerido, quando uma mulher veio sentar ao meu lado. Era de manhã e eu esperava uns amigos para ir embora. A mulher parecia estar voltando da sua caminhada. Não sei por que causa, motivo, razão ou circunstância ele veio e sentou do meu lado, na calçada, às 05h30min da manhã. Ela nem disse oi e já foi logo soltando: “esses jovens que frequentam esse lugar aí, nenhum presta, nenhum tem Deus, pra vir pra cá eles vêm, mas não vão uma missa, não têm Jesus, eles vêm pra cá pra ‘fumar loló’, pra ‘cheirar maconha’...” Percebi na hora que ela estava obviamente insinuando que eu tinha acabado de sair de uma boca de fumo, até pensei em revidar e dar uma resposta a altura, mas me recusei a dialogar com alguém que usa as expressões ‘fumar loló’ e ‘cheirar maconha’. Fiquei na minha e me afastei, mas ela era insistente, se aproximou e começou a falar sobre o quanto a juventude estava perdida e pedia pra eu concordar: “você não acha?”. Fiquei ali em dúvida entre o suicídio, matar a mulher pra ver se ela calava a boca, ou matar meus amigos por me deixarem sozinha com uma doida que desabafa com uma bêbada às 5hs da manhã.
Outra vez foi numa boate, numa festa dessas que o melhor momento é aquele em que você entra no carro pra ir embora. Uma mulher com cara de “fugi hoje do São Camilo*** se aproximou de mim e do carinha que estava comigo e começou a contar a vida dela, que tinha 37 anos mas morava com os pais por que não queria trabalhar, mas que agora estava difícil por que o pai não queria mais ela em casa. Aí meu amigo perguntou: “e você faz o que da vida?”. Aí ela: “Eu venho pra cá”. Pedi licença ao meu amigo e fui tentar morrer até chegar a hora de irmos embora.
O pior de tudo isso é que essas coisas sempre acontecem. Eu pareço ter um imã pra atrair pessoas inconvenientes e completamente desequilibradas e sem a menor noção das coisas. Ora, que ser humano sensato se encosta num desconhecido e começa a desabafar sobre as coisas mais bizarras? Meus pais talvez tivessem razão em não apoiar minha decisão de ser jornalista, e não é por causa do salário que estou voltando atrás agora. A questão é de vocação mesmo, acho que minha vocação deve ser ou pra macumbeira, ou mãe de santo, ou psicóloga. Só isso explicaria esses fatos. Por que sinceramente, já estou pra tentar ‘vestibular’ pra algum desses ‘cursos’. E olhe, se eu cobrasse por cada vez que isso já aconteceu, estava ganhando melhor do que o piso de um jornalista! 






*Mário Negócio é uma penitenciária de Mossoró
**Vingt Rosado é o nome de um bairro de Mossoró
***São Camilo é uma casa de saúde mental de Mossoró



8 comentários:

  1. Adorei o texto e não sei pq me identifiquei com ele, lógico que com a irônia que me foi dada por Deus não chego a ter a ternura que vc tem, mando logo pra queles cantos que não convém falar ... rsrsrsr.. adorei mesmo. Muito bom.

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  2. Ternura só por fora,por educação mesmo.Por dentro tbm estou mandando pra aquele lugar! kkkk Valeu pelo comentário!

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  3. Que bom que tenha gostado Mário, valeu!

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  4. Olha Wendell, muito obrigada. Valeu por acompanhar e por deixar sua opinião.

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